Em 1978 uma menina de seis anos era encantada pela água que descia numa passagem pequena, permeada por agrião que era colhido para o almoço. Meu nome é Zenilda Teodora de Lima e a cada contato que tinha com a água era uma fascinação. A cachoeira que passava vez ou outra em Santa Fé, município de Tenente Portela-RS foi a paisagem que sempre desenhei por muitos anos. Era uma pedra que separava em duas quedas de uns 15 metros. De uma ponte de madeira eu passava depressa para sentar-me e admirar em espécie de encantamento servil!
Assim foram os anos e caçadora de cachoeira me tornei. Ambientalista nata, defensora de preservação, de menor interferência possível do homem. Era a vida que brotava em minhas veias. Eu sempre me senti parte do curso d´água que busca seu destino. Um caminho de desafios, de voltas, de recomeços, de brotar em cada ciclo e seguir, até encontrar o mar e nele encontrar os iguais.
Não me tornei ambientalista, me deram essa alcunha por estar em todo o movimento que defendesse as águas, o meio ambiente. Participei ativamente de várias comissões, seja de Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil, onde fui vice presidente e presidente, membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Barra do Garças, do Programa PCI, no eixo Conservar, do CEHIDRO de Mato Grosso, do Fórum Estadual de Comitê de Bacia Hidrográfica, vice-presidente e agora segunda secretária do Comitê de Bacia Hidrográfica dos Afluentes do Alto Araguaia. Minha relação com a água é de respeito e encantamento. Tenho o dever de preservar! É uma missão!
No ano de 2017 houve rumores de que haveria construção de usinas hidrelétricas no Rio Garças então um grupo de pessoas, sendo pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso, outros da UNEMAT, professores, donas de casa, alguns empresários e ativistas ambientais, sem marcar encontro, se reuniram numa discussão na primeira audiência pública, num dia de semana, horário que desfavorecia a população e sem divulgação, os organizadores foram surpreendidos por tantas pessoas que queriam ver e ouvir o que seria o destino traçado para as águas do Rio Garças. A discussão foi acalorada. Pesquisadores demonstraram que o EIA-Rima apresentado era um esboço feito para outro rio, e não havia um estudo técnico próprio que demonstrasse a viabilidade e a necessidade de construir treze usinas. A população que lá estava demonstrou total repúdio ao empreendimento. Na saída trocamos alguns números de telefone e formamos um grupo no watts app. Ali surgiu o grupo denominado Frente Popular Rios Vivos.
As outras audiências sempre marcadas em cima da hora e sem divulgação foram frustradas porque a cada dia nos organizávamos mais. Com faixas, caminhadas, trazíamos mais pessoas para o diálogo. E em apartado, resolvemos fazer um projeto de lei de iniciativa popular para proibir que fosse construído hidrelétrica no Rio Graças, porque era inviável, não havia água para suportar mais de 3 anos uma hidrelétrica e os estudos pela universidade federal apontava prejuízos sem igual, em especial para o boto-do-Araguaia “Inia araguaiaensis”, único golfinho exclusivo do Brasil e endêmico da sub-bacia Araguaia-Tocantins.
Fomos literalmente para a rua, colhermos assinaturas, bem em ano eleitoral, dialogar com a população que votava no município, apresentar o seu título e assinar a petição. Nisso, conseguimos mais de três mil assinaturas, sendo validadas pelo TRE mais de 2 mil assinaturas mais que necessárias para cumprir a determinação legal de 5% da população votante para propor um projeto de lei de iniciativa popular. Escrevi o projeto de lei com alguns colegas e protocolamos com toda a documentação necessária. Em meio a muitas críticas de políticos e de alguns empresários. A imprensa nos chamou de “figuras esdrúxulas e desconhecidas”. Fomos perseguidos e tentaram nos ridicularizar. Mas a tentativa de ridicularização nãos nos intimidou. Valeu cada dia que ficamos na rua dialogando com as pessoas, enfrentando o sol do meio dia em frente a agências bancárias e em praças, noites depois do expediente indo de casa em casa falando com as pessoas e demonstrando os prejuízos que a construção de pelo menos uma hidrelétrica faria com as águas do Rio Garças.
Numa sessão que encheu a Câmara Municipal, o projeto de lei foi votada e posteriormente sancionada pelo prefeito, a qual reconhece o Rio Garças como patrimônio imaterial de Barra do Garças, sendo proibido construir hidrelétrica em suas margens.
O Rio agradece, mas precisamos continuar. Discutimos com o pessoal Juntos Pelo Araguaia um projeto de revitalização de todo o trajeto do Rio Garças. Projeto grande e que agora está finalmente saindo do papel.
No dia a dia, minha missão cumpro com olhar de preservação e sustentabilidade. É consciência que se cria e irreversível. Onde leciono levo esse amor e cuidado com as águas. Nisso, quando eu era vice presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB, o Prof. E advogado João Rocha, presidente, solicitou que todos os membros trouxessem ao menos uma ideia de projeto para desenvolvermos pela Comissão. Eu pensava em educação ambiental. Verter na mente de crianças e adolescentes o amor e zelo pelas águas, pelo meio ambiente. Então, inspirada no projeto Escoteiros Mirins, idealizei o Projeto Ambientalistas Mirins, que consistia em pegar um grupo de crianças/adolescentes e trabalharmos sobre a importância da água, da sustentabilidade ambiental, e certificá-los, em solenidade, para que se sentissem responsáveis, ativistas ambientais. Nisso, teriam oportunidade de ter contato com cachoeira, e outros instrumentos para sensibilizar e oportunizar que tivessem vivencia real e saberem orientar e preservar as águas e o meio ambiente.
Esse projeto iniciou com filhos de advogados e conhecidos, o menor, Mattias Almeida Teodoro, tinha apenas um ano e meio e seus pais o levavam nas ações. Solicitei autorização da comissão para levar o projeto para o CBH Alto Araguaia porque eu não teria tempo de trabalhar nas duas frentes e outros projetos. Nos reunimos com o presidente do CBH, Clodoaldo Queiroz que aprovou o projeto e remodelamos algumas ações. Não tínhamos dinheiro, então busquei parceiros e custeei um clip do projeto, juntamente com a Riacho Fundo, Ricardo Marcondes que produziu gratuitamente. Eudes, cantor e compositor, fez a música do projeto e o Rotary Club de Barra do Garças e a cada dia que apresentava o projeto, ganhava adeptos. O Mauro do viveiro Copaíba foi parceiro do projeto. Todos os serviços foram doados, com exceção da produção da música que custeei para produzir. Assim produzi o clip com os parceiros e o projeto foi ganhando corpo. Na remodelação, decidimos trabalhar somente nas escolas, porque a OAB já vinha fazendo ações ambientais nas escolas e estava dando muito certo. A cada ano escolhemos uma escola. A prioridade na escolha sempre foi que fosse a escola mais carente. Percebemos que cada escola tem uma realidade, então vamos adequando conforme o calendário e necessidade. Esse ano estamos trabalhando cerca de 50 alunos da Escola José Ângelo dos Santos, onde trabalho, eles têm entre 13 e 16 anos, mas contarei essa história em outro momento. Enfim, vários são os parceiros, em especial o CBH Alto Araguaia e a OAB. Esse projeto é adaptável e tenho certeza que ganhará outros municípios do estado e do Brasil e nisso, me realizo em cada olhar de um adolescente que se encanta com a água que cai da cachoeira e dela se torna responsável e seu amante.
Água semente de vida
Corre nas veias da terra
Sou rio, sou cachoeira, sou mar
Sou a personagem protagonista
Em todos os tempos
e broto onde me plantar. (Zenilda Teodora de Lima).
Que relato incrível!
Parabéns pelo trabalho e divulgação dele. De fato, se não for o Trabalho Efetivo do Terceiro Setor, muita coisa não acontece, em especial, nas Políticas Públicas. Sou Bióloga, conta comigo também nessa luta!