Os Seminários Regionais da Água e a participação social: reflexões sobre o legado para água doce - município do oeste catarinense
Izabella Barison Matos
Raquel Antunes da Silva Sagaz
Fonte da figura 1: Arquivo pessoal
Água Doce, localizado em Santa Catarina, com 7.154 habitantes (IBGE, 2010) tem sua economia baseada na agricultura e na pecuária. O município, que conta com milhares de fontes e nascentes, pertence às bacias hidrográficas do Rio do Peixe e Rio Chapecó/Irani e é fornecedor de água para consumo humano e animal e geração de energia elétrica para as regiões Oeste e Meio-Oeste catarinenses.
A iniciativa do primeiro Seminário Regional da Água (SRA), em 2013, neste município, foi de um engenheiro agrônomo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) e do Secretário Municipal de Agricultura á época. A partir daí passou a ter edição anual até 2018.
Reflexões sobre o seu legado já foram socializadas em outras publicações (MATOS et al., 2020); no entanto, sempre é interessante divulgar uma experiência exitosa, mesmo que parcialmente, com avaliações acerca de aspectos da participação da população e o envolvimento dos gestores públicos.
Assim, com base em tais reflexões, explicitamos questionamentos que nos orientaram a busca de respostas: apesar do arcabouço legal (Lei nº 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos), de programas governamentais (Comitês de Bacias Hidrográficas) e da crise hídrica recorrente, o que pode explicar a baixa adesão da sociedade às ações envolvendo questões ambientais (água) e a postura apenas retórica da gestão pública, que não prioriza o tema da água na sua agenda?
Metodologicamente, tomaremos como unidade empírica a experiência destes Seminários Regionais da Água nos quais, gradativamente, foram aprimorados processos participativos em iniciativas ambientais. Identificamos categorias de análise definidas como avanços e fragilidades.
Dentre as fragilidades: pouco interesse da sociedade pelo tema; envolvimento apenas protocolar do poder público municipal; entraves na representação do legislativo municipal; interesse reduzido por parte da empresa responsável pela gestão municipal da água; desconhecimento, pelos envolvidos, da legislação; entraves administrativo-burocráticos e legais.
Já, os avanços identificados foram: forte adesão das escolas, protagonizada pelas professoras da educação básica; ampliação de parcerias, que formaram rede de apoio regional e estadual; elaboração de projeto ambiental para obtenção de financiamento junto à Polícia Militar; projeção do Município de Água Doce no cenário estadual - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS) e nacional (ANA); e instrumentalização técnico-científica-legal do grupo de trabalho interinstitucional, que foi criado a partir dos Seminário Regional da Água (SRA).
Neste artigo elegemos, dentre várias que foram realizadas e registradas, duas ações de educação ambiental originadas dos SRA: 1. Limpeza do Rio Água Doce, no perímetro urbano; 2. Água Boa de beber – proteção de nascente em assentamento. Na sequência, abordaremos brevemente algumas ideias sobre a baixa adesão à iniciativa, a partir de autores que tratam da participação social dimensionada em níveis e tipologias.
Ação 1. Mobilização para limpeza do leito e proteção das margens do Rio Água Doce
Constatou-se grande quantidade de resíduos, dos mais diversos tipos e das mais variadas origens, depositados às margens e no leito do Rio Água Doce, no perímetro urbano, causando poluição nas águas e obstruindo o fluxo normal. Então, foram realizadas duas edições de mobilização, impulsionadas pelos Seminário Regional da Água (SRA). O objetivo foi dar visibilidade ao problema, envolvendo diferentes segmentos da comunidade e sensibilizando sobre a necessidade de limpeza do rio e a correta destinação dos resíduos.
O processo de mobilização contou com os seguintes passos: 1. Reunião de apresentação da proposta e solicitação de apoio das entidades participantes; 2. Divulgação das ações convidando a população e informando, com panfletos, moradores das margens do Rio; 3. Divisão dos grupos e designação dos coordenadores, responsáveis pelo chamamento e organização dos participantes nos respectivos trechos de extensão da limpeza; 4. Organização da infraestrutura (caminhões para coleta e acompanhamento do Corpo de Bombeiros) e materiais necessários (sacos, luvas e coletores); 5. Realização das ações de limpeza do leito e das margens; 6. Avaliação das ações.
A avaliação apresentou dados positivos, entre eles: sensibilização quanto à limpeza do rio e a correta destinação dos resíduos; mobilização de um número relevante de pessoas de diferentes segmentos da sociedade; e envolvimento interinstitucional, do setor produtivo, do executivo, do legislativo municipal, da educação básica e universitária (Figura 1). Mas, tal iniciativa encerrou com as duas edições.
Ação 2. “Água boa para beber”: Escola Municipal Assentamento 1º de Agosto
As vivências em educação ambiental de proteção de nascente aconteceram em um assentamento do INCRA, com 52 famílias em atividades agropecuárias, sendo que algumas propriedades apresentavam falta de água em certos períodos do ano. Metodologicamente o processo ocorreu pela iniciativa de uma professora que mobilizou estudantes, pais e agrônomo. Inicialmente: 1. Estudaram o tema água e a proteção de nascentes – com mapa mundi e estratégias participativas; 2. Fizeram expedição in loco; 3. Realizaram consulta à totalidade das famílias residentes (13) para saber: a) Quais usam água de fonte ou de poço; b) De que forma a água chegava até as casas; c) Se era suficiente para o consumo da família e dos animais; 4. Construíram proteção da nascente que abastece a escola e o centro comunitário; 5. Fizeram coleta de amostra para análise das condições de potabilidade da água dessa nascente; 6. Registraram a experiência para socializar o aprendizado.
Como resultados alcançados: foi realizada a proteção da nascente no Modelo Caxambú, tecnologia desenvolvida pela EPAGRI, com grande vantagem ambiental, pois há garantia de que a nascente não seja contaminada por agentes externos, uma vez que filtra e canaliza a água para residências, escolas e outros. Outra vantagem, além de ser muito simples a sua instalação, é o seu baixo custo.
O resultado da consulta às 13 famílias foi: onze têm água de poço e duas, de fonte; para onze famílias o acesso à água ocorre por bomba e, nas outras duas a água chega por gravidade até a casa. Para apenas seis famílias há água suficiente. Três meses após, a análise da amostra de água da nascente protegida apresentou que o padrão para consumo humano ainda estava insatisfatório, pelo fato de ser constatada dosagem de fluoreto abaixo de 0,7 mg/l, necessitando da instalação de um equipamento dosador, que foi providenciado (Figura 2).
Fonte da figura 2: Arquivo pessoal.
Como promover maior participação social em iniciativas ambientais?
A participação social tem sido objeto de análise de diferentes autores, em diversas realidades. Partindo das leituras de Rozemberg (2002) e de Pretty (1995) dimensionamos cinco níveis de participação e suas tipologias e avaliaremos como ocorreu nos SRA (Seminário Regional da Água). São elas: 1. Passiva: mera exposição das ações a serem realizadas pelos usuários, comunicação unilateral, sem ouvir opiniões da sociedade; 2.Envolvimento indireto: as informações/dados são proferidos pelos profissionais externos e a população dá respostas aos desafios propostos pelos profissionais externos; 3. Envolvimento funcional: atuação pelo trabalho “braçal”, onde a população é executora física nas atividades pré-estabelecidas; 4. Interatividade: envolvimento ativo nas decisões, nas análises e na condução do processo; 5. Mobilização autônoma: população toma iniciativa, independentemente das instituições, estabelece redes externas para obtenção de recursos e apoio técnico.
Ao confrontarmos a experiência dos SRA com estas tipologias identificamos que conseguiram alcançar o nível 3, caracterizado pelo envolvimento funcional – numa perspectiva “mais braçal”, cuja proposta de programação já estava pronta. Embora os SRA tenham conseguido ampliar parcerias, para obtenção de algum financiamento e certo apoio técnico, não se avançou muito no estabelecimento de redes e nem em termos de continuidade das ações e das inciativas, por parte da população.
Por outro lado, a gestão pública parece que se interessa pelo tema quando são apontadas fontes de financiamento, mas sua postura retórica se revela no trato protocolar sobre o tema, quando provocada a se posicionar publicamente.
Para finalizar, podemos dizer que, para maior envolvimento da população nas questões ambientais – em específico no tema água – faz-se necessário repensar a forma de propor enfrentamento às fragilidades detectadas no processo; ainda se identifica grande distância entre a percepção da população sobre as questões envolvendo a água como um bem finito e, também, talvez a comunicação precise ser repensada (TRINDADE e SCHEIBE, 2019). Da mesma forma, a gestão pública (legislativo e executivo) não parece se sensibilizar pelo tema em uma perspectiva que possa favorecer a prioridade de temas ambientais na sua agenda de política pública.
Referências
IBGE. Censo 2010. População de Santa Catarina.Disponível em: https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/total_populacao_santa_catarina.pdf. Acesso em: 22 maio 2017.
LIMA, Lucia Cecato de; MAFRA, Marli; RECH, Tassio Dresch. Educação ambiental e uso do solo em áreas de afloramento do Aquífero Guarani. In: MATOS, Izabella Barison; OLIVEIRA, Maria Conceição (org.). Interiorização da Educação e Repercussão na Formação. Porto Alegre: Rede UNIDA, p. 192-220, 2016.
MATOS, IBM; BARBATO, P. MENDES, EM; SAGAZ, RAS. Do processo discursivo à agenda operativa: gestão das águas e participação social no Oeste catarinense. Cadernos do CEOM, Chapecó (SC), v.3, nº 52, p. 9-23, jun 2020.
PRETTY, Jules. Regenerating Agriculture: polices and practice foe sustainability and self-reliance. London: Earthscan Publications, 1995.
ROZEMBERG, Brani. Participação comunitária em programas de promoção em saúde: elementos para uma avaliação crítica de metas e pressupostos. In: MINAYO, M. C. S.; MIRANDA, A. C. de (org.). Saúde e ambiente sustentável: entrelaçando nós. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 191-199, 2002.
TRINDADE, Larissa Lima; SCHEIBE, Luiz Fernando. Gestão das águas: limitações e contribuições na atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas Brasileiros. Ambiente & Sociedade, São Paulo, vol.22, p.01-20, 2019.
Izabella Barison Matos
Doutora em Saúde Pública. Professora-visitante do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGCol), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS).
Raquel Antunes da Silva Sagaz
Especialista em Coordenação Pedagógica e Metodologia do Ensino de Biologia e Quimica. Professora da Escola de Educação Básica Ruth Lebarbechon, Água Doce (SC).
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