Ana Carolina Giudice Beber
Larissa Medianeira Bolzan
A menstruação, um tabu desde os primórdios da sociedade, transita por meio de questões culturais, religiosas e desinformação, sendo muitas vezes as mulheres privadas de sua liberdade durante o período menstrual por ela estar em um momento “impuro” “sujo”. Além disso, sabemos que há muita vulnerabilidade ao redor do mundo, em 2020 o World Bank por meio do relatório Poverty and Shared Prosperity estimou que aproximadamente 70 milhões de pessoas entraram no status de pobreza extrema devido à pandemia, sendo este o maior aumento desde 1990 dado que, pelas necessidades biológicas das mulheres, sabe-se que esse cenário afeta majoritariamente sua nutrição e higiene, sendo assim, em períodos de gravidez ou menstruação, uma vulnerabilidade dobrada relacionada à já existente.
A pobreza menstrual é determinada pela vulnerabilidade física, emocional, social e econômica pela falta de condições de realização da higiene menstrual de forma adequada. Ela é um dos fatores que faz com que as menstruantes em situação de pobreza sofram ainda mais. Essa vulnerabilidade liga-se à falta de acesso a itens de higiene, banheiros em condições, saneamento básico, informações sobre seu corpo e protetores menstruais, estes que se tornam como artigos de luxo para aquelas que estão em maior vulnerabilidade criando um vazio institucional por falta de políticas públicas eficazes de promover a dignidade, educação e acesso de absorventes. A Organização das Nações Unidas, desde o ano de 2014, trata a pobreza menstrual como uma questão tanto de saúde pública quanto de direitos humanos.
Nesse sentido, entramos no contexto da água, a qual é essencial para o básico da vida humana, bem como está ligada diretamente à higiene e à manutenção da saúde. O acesso à rede de saneamento básico, que compreende os serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto, é fundamental para a realização da higiene íntima e pessoal, e esse é um dos principais pontos da discussão acerca da pobreza menstrual no Brasil e no mundo. Problemas da falta de saneamento básico e água tratada vulnerabiliza, mulheres e meninas, ao privá-las de uma higiene íntima adequada para os períodos menstruais. Em muitos dos casos, as adolescentes deixam de ir à escola pela falta de acesso ao saneamento e, consequentemente, há diversos riscos de saúde devido à falta de higiene adequada para o período. (CNN, 2021)
Ainda na temática, vale destacar o documentário indiano “Absorvendo o Tabu”, disponível na Netflix, o qual retrata a situação das menstruantes (explica-se o termo: pessoas que menstruam, uma vez que não só mulheres menstruam já que existem pessoas transexuais, as quais não se identificam com o sexo biológico de nascimento, identificam-se como homens mas como possuem os órgãos femininos, acabam por menstruar) as quais não possuem acesso aos cuidados básicos nem a conhecimentos acerca de como lidar neste período, sendo principalmente a falta de conhecimento e acesso no que tange à absorventes higiênicos, trazendo diversas doenças e podendo às levar à morte, ponto mais extremo dessa pobreza. Apesar do documentário tratar de uma localização em especial, o cenário retratado pelo documentário ocorre em diversos países, nos fazendo refletir sobre.
Nesse sentido, o projeto unificado com ênfase em Extensão Mais Juntas surgiu no Centro de Engenharias (CEng) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, no final de 2019. Construído com um projeto de extensão, seu objetivo é promover suporte à mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade para o empoderamento dessas, além de sensibilizar a comunidade (em especial a comunidade universitária da UFPel) sobre o assunto. E dentre os objetivos específicos tem-se: cocriar tecnologias sociais para o enfrentamento da violência de gênero, sendo uma das metodologias as campanhas paliativas, para situações de vulnerabilidade socioambientais emergentes.
Com o impacto dessas questões, uma das tecnologias sociais desenvolvidas pelo Mais Juntas é a “Campanha Eu Menstruo” com o objetivo de arrecadar absorventes higiênicos para contribuir no combate a Pobreza Menstrual. Tão importante como a arrecadação é a comunicação e divulgação de que a pobreza menstrual é mais uma forma de violência enfrentada por mulheres e meninas, que prejudica suas atividades diárias, como frequência às aulas ou a permanência no trabalho, e reflete a desigualdade social enfrentada por elas. Situação que afeta também a saúde mental, em função do estresse, desconforto e discriminação.
As campanhas iniciam em agosto, em alusão ao Agosto Lilás que - mês destinado ao combate a violência de gênero, e encerram-se em dezembro, em alusão aos 21 dias de ativismo contra a violência de gênero (20/11 a 10/12). A campanha conta com caixas de coleta personalizadas em pontos físicos na cidade de Pelotas-RS, acompanhadas da arte e cartazes informativos da campanha. Em 2021, o Projeto arrecadou mais de 35 mil absorventes higiênicos, os quais foram doados para menstruantes em situação de vulnerabilidade por meio de diversas ONG 's da cidade.
Para dar início a Campanha, foi realizado um evento na Prefeitura de Pelotas, contando com a presença da atual Prefeita, da atual Reitora, diversos secretários e das coordenadoras do Centro de Referência a Mulher, com a representação das coordenadoras do Mais Juntas.
Nesse sentido, foram criados ao todo 26 pontos de coleta ao redor da cidade, os quais ainda contribuíram usando suas redes sociais para divulgar a campanha e potencializar as doações. Na foto abaixo, um dos cartazes da campanha em um supermercado parceiro.
Com o passar do tempo as campanhas ganharam grandes proporções dando muita publicidade ao projeto, o que inclusive fez com que a campanha fosse divulgada no Jornal impresso municipal, no Jornal transmitido na hora do almoço da filial da Rede Globo de Televisão, nas redes sociais de todos parceiros (várias vezes ao longo da Campanha), no Canal Câmera e no Canal Senado.
Até o momento foram duas campanhas realizadas, a primeira de agosto a dezembro de 2021 e a segunda de agosto a dezembro de 2022, ainda em andamento. No que tange a resultados, a primeira obteve cerca de 35 mil absorventes arrecadados e doados, e a segunda, até o momento, com cerca de 22 mil e já em processo de distribuição. Estes foram doados em diversas instituições, comunidades e centros da cidade.
Vale destacar que a primeira campanha “Eu Menstruo” foi uma das primeiras iniciativas no país para enfrentamento da pobreza menstrual e inspirou campanhas semelhantes ao redor do país unindo outros atores, contribuindo para uma luz sobre a busca pela dignidade menstrual integral e igualitária, buscando a quebra de paradigmas para uma sociedade com menos tabu no que tange à menstruação. São elas:
Associação Projeto Luna. São Paulo-SP: https://www.projetoluna.com.br
Associação Projeto Absorvendo Amor. São Paulo-SP: https://absorvendoamor.com.br
Associação Projeto Fluxo Sem Tabu. São Paulo-SP: https://www.fluxosemtabu.com
Associação Projeto Novo Ciclo. São Paulo-SP: https://www.espro.org.br/acontece-no-espro/projeto-novo-ciclo-traz-um-novo-ciclo-de-conhecimento/.
Associação Projeto Deixa Fluir. Fortaleza-CE: https://www.espro.org.br/acontece-no-espro/projeto-novo-ciclo-traz-um-novo-ciclo-de-conhecimento/.
No âmbito do projeto Mais Juntas foi também criado um canal no Instagram @maisjuntas.ufpel para divulgação de informações, outras metodologias cocriadas e as campanhas existentes.
Referência:
CNN, 2021, Pobreza menstrual, conheça o problema que leva as brasileiras a deixarem de estudar, São Paulo. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/pobreza-menstrual-conheca-o-problema-que-leva-brasileiras-a-deixarem-de-estudar/
Portal Institucional UFPel: https://institucional.ufpel.edu.br/projetos/id/u2498
Ana Carolina Giudice Beber - Estudante de Direito na UFPel, contatos: annacgiudice@gmail.com https://www.linkedin.com/in/anagiudice/
Larissa Medianeira Bolzan - Professora Adjunta do curso de Engenharia de Produção na UFPel e Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCAmb/UFPel). contatos: larissambolzan@gmail.com
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