Em busca de articulações...
A partir da década de 1990, o tema “Água e Gênero” passou a ser cada vez mais discutido em reuniões e conferências internacionais, envolvendo temas que permanecem relevantes até os dias de hoje, como os impactos profissionais, políticos e sociais causados pela ausência, o acesso insuficiente ou a falta de participação das mulheres nos processos de governança da água e do saneamento básico. Foi com a Conferência de 1992, em Dublin, que se ampliou, significativamente, o debate internacional sobre essa temática.
Nos mais diversos níveis de articulação, do local ao internacional, aumentou o reconhecimento de que a igualdade entre mulheres e homens é essencial para o avanço da sociedade e que é se trata de uma questão de justiça e condição para o desenvolvimento sustentável, conceito este reconhecido pelos países na Eco-92, realizada no Rio de Janeiro.
Com o decorrer dos anos, no famoso tripé da sustentabilidade – social, econômico e ambiental – houve um aumento da participação do aspecto social, mantendo-se um equilíbrio entre os dois outros fatores, possibilitando a ampliação da discussão de soluções para alcançar o tão almejado desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a feminização da pobreza e do desemprego, o desequilíbrio de poder entre mulheres e homens em todas as esferas da sociedade, a violência contra as mulheres e a existência de leis e práticas discriminatórias destacam a necessidade de uma busca contínua pela igualdade, o desenvolvimento e a paz, a promoção dos direitos humanos e a democracia nas relações de gênero.
Apesar dos diversos compromissos globais (como a Agenda 2030), as desigualdades persistem entre homens e mulheres, afetando diversos âmbitos em que se organiza a sociedade, como nos ambientes de trabalho, principalmente no que diz respeito ao acesso ao trabalho e à igualdade salarial; nas tomadas de decisões, nas diversas instituições privadas ou públicas; no acesso e na propriedade da terra e aos seus diversos recursos, incluídos os hídricos e na participação da gestão dos recursos financeiros, entre outras que ocorrem nas diversas sociedades humanas e que expressam a dura realidade em que se mantém marginalizada metade da humanidade, privada do exercício pleno dos direitos humanos.
A diversidade de lentes através das quais se observam as expressões da desigualdade de gênero no setor de água mostra a necessidade de integração das perspectivas de gênero no centro do fornecimento, do gerenciamento e da conservação dos recursos hídricos no mundo, além de salvaguardar a saúde pública e a dignidade humana por meio do fornecimento de saneamento adequado e de serviços de higiene. Essas medidas decorrem da necessidade do aumento da eficiência e da eficácia na gestão das águas, o que ocorrerá com a integração das perspectivas de gênero no planejamento nacional e global de água e saneamento, e nos processos de monitoramento.
Com o desenvolvimento dos estudos intitulados Retratos de governança das águas, no âmbito do Projeto Governança dos recursos hídricos: análises do perfil e do processo de formação dos representantes dos conselhos estaduais de recursos hídricos e comitês de bacia hidrográfica”, identificou-se, além de uma baixa participação feminina (as mulheres são, em média, 30% do total de representantes), nos organismos colegiados de gestão das águas, diversas situações que podem ser caracterizadas como violência política de gênero.
Nesse sentido, trabalhando em diferentes frentes, mas complementares em objetivo, buscou-se somar esforços, reforçando o coro das atividades e debates que abordam o tema. Assim, no mês de fevereiro do ano de 2021, iniciou-se o processo de organização do livro Água e Gênero, mapeando-se pesquisadores, especialistas e entusiastas na temática que foram convidados a colaborar com a publicação.
Apesar dos desafios inerentes a um projeto desse tipo, envolvendo inúmeros colaboradores nos mais diversos processos, o primeiro volume foi lançado no dia 25 de março, ainda dentro da Semana da Água. Mas, a pandemia de covid-19 nos afetou, como ao restante da sociedade e muitos daqueles que haviam assumido o compromisso de enviar artigos não conseguiram fazê-lo, por diversos motivos. Entendendo que não poderíamos dispor de tamanho envolvimento de acadêmicos que prezam pela qualidade do que produzem, resolvemos, então, organizar um segundo volume, com a integração dos trabalhos que nos foram enviados após o encerramento do primeiro. Como se pode observar, trata-se de material que aborda a temática sob novas perspectivas e que contribuirão certamente para enriquecer o debate sobre o assunto em pauta.
Com este, os dois volumes de Água e Gênero - Perspectivas e Experiências formam um todo de 23 capítulos, reunindo aportes de 54 autores, fruto de um esforço coletivo em que se busca debater confluências práticas e teóricas que envolvam as interseções, os desafios e os potenciais na inclusão de gênero na gestão dos recursos hídricos.
A diversidade de perspectivas obtidas por meio das diferentes contribuições enriquece substancialmente a reflexão que vem ocorrendo sobre a articulação de gênero e água e, sem dúvida, contribui para delinear novos rumos para a pesquisa e os debates sobre o assunto. Isso porque, entre outras contribuições, esses trabalhos abordam diferentes expressões da desigualdade e da discriminação de gênero na gestão dos recursos hídricos, constituindo um instrumento relevante para o fortalecimento da identidade de gênero na agenda da água para a região latino-americana, comprometida com a promoção do exercício dos direitos humanos nesse setor e fortalecendo o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, cujo lema é "Não deixe ninguém para trás".
Convidamos à leitura!
Os livros, a série "Retratos de Governanças das Águas" e demais publicações sobre Água e Gênero estão disponíveis em algumas plataformas de compartilhamento, dentre elas a ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Fernanda-Matos
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